sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Dano Existencial. Comentário sobre interessante artigo do Dr. Hidemberg Alves da Frota

Trata-se de comentário acerca de interessante artigo publicado no sítio jusnavigandi, http://jus.com.br. "http://jus.com.br/revista/texto/20349", intitulado "Noções fundamentais sobre o dano existencial", do Dr. Hidemberg Alves da Frota .

"O dano existencial constitui espécie de dano imaterial que acarreta à vítima, de modo parcial ou total, a impossibilidade de executar, dar prosseguimento ou reconstruir o seu projeto de vida (na dimensão familiar, afetivo-sexual, intelectual, artística, científica, desportiva, educacional ou profissional, dentre outras)". 

O que seria esse "dano existencial" na prática? Penso que o dano existencial correlaciona-se com as anomias que vemos atualmente. Fatos que ocorrem com pessoas e que desvirtuam o seu "projeto de vida", o seu sentido de existir no plano material. 

Na visão do autor "(...) o dano existencial se alicerça em 2 (dois) eixos: (a) De um lado, na ofensa ao projeto de vida, por intermédio do qual o indivíduo se volta à própria autorrealização [02] integral, ao direcionar sua liberdade de escolha para proporcionar concretude, no contexto espaço-temporal em que se insere, às metas, objetivos e ideias que dão sentido à sua existência".

Será mesmo possível provar o dano existencial?

A vida é uma sucessão de fatos que algumas vezes não podem ser previstos ou previsíveis e o insucesso dos planos de vida de alguém pode ter conexão com suas más escolhas ou mesmo com eventos inexplicáveis. Isso é inevitável, em alguns casos. 

Indago se o casamento poderia redundar nesse tipo de dano existencial, na hipótese em que o homem ou a mulher deixam de fazer o que gostam para agradar o cônjuge tirano(a) (ciumento(a))? O homem que deixa a sua cidade natal por conta de sua esposa, para residir em outro estado da federação, longe de seus familiares de sangue (pai, mãe, irmãos, sobrinhos) pode de alguma forma estar sofrendo esse dano existencial? Caso esse mesmo homem tenha partido para outro estado por ocasião de prole com a esposa, não querendo ficar longe da mesma e dos filhos, seria o caso de dano existencial?  E o livre arbítrio?

Seria dano existencial, o fato de pessoa ter sua vida econômico-financeira-consumerista arrasada por esposa que utilizou sua conta bancária, deixando no "vermelho" qualquer possibilidade de emprego, decorrente da morte civil ocasionada por restrição cadastral? 

Como se prova isso? Testemunhas?

A Bíblia ensina que "O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor (Pv. 16.1)"

Projetos do coração (projetos de vida) do homem podem não ocorrer como ele almeja por simples "capricho do destino", da vontade "Divina" ou mesmo das más escolhas, mesmo que algumas pessoas possam atrapalhar esse caminho planejado, a culpa não é exclusivamente delas, salvo exceções.

Agora, o dano existencial, se existe, tem de haver dolo, na minha opinião. A pessoa que comete esse ato de lesar a outrem deve estar imbuída de má fé. Deve cometer abuso de direito, aí sim. Haja vista que os projetos de uma existência não se resumem aos planos do homem a quem foi dada essa existência. É imprevisível o que vai acontecer. 

Para o autor, caberia reparação, conforme seu estudo de jurisprudência alienígena, portuguesa, in verbis:

 "Colhem-se do Poder Judiciário de Portugal [19] didáticos exemplos [20] do campo de incidência do dano existencial: 

(a) Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão de 18 de março de 2003 (Relator, Juiz Conselheiro Lucas Coelho). Reconheceu que a morte de genitor, devida a acidente de trânsito, quando a filha mais nova era recém-nascida, proporcionou "um dano existencial de relevo na personalidade moral da criança" [21]

(b) Tribunal da Relação de Guimarães (TRG). Acórdão de 23 de maio de 2004 (Relator, Juiz Desembargador José M. C. Vieira e Cunha). Vislumbrou dano existencial e psíquico decorrente de sequelas de acidente de trânsito do qual adveio, para o jovem vitimado (à época estudante de curso politécnico, estudo que não pôde prosseguir depois do acidente viário), a incapacidade laboral permanente estimada em 50% (cinquenta por cento). Sob o prisma do dano existencial e psíquico, o TRG constatou a dificuldade de o autor da ação judicial enfrentar o fato de que, após o sinistro, adquiriu expressiva incapacidade para protagonizar todos os aspectos da sua vida: [...] revelando os autos a incapacidade actual de completar qualquer formação e um fortíssimo dano existencial, que torna o Autor fortemente dependente de terceiros, designadamente de familiares próximos [...] na vertente do dano existencial e psíquico (o dano da vida de relação, com base na dificuldade de "coping" do Autor, na dificuldade em lidar com a sua actual incapacidade, bem como o id quod plerumque aciddit: a dificuldade de realização do Autor, portador de grande incapacidade, em todas as vertentes das respectivas relações sociais, para futuro). [...] os autos patenteiam um sofrimento notório do Autor, acompanhado de um dano existencial e de relação (a incapacidade de exprimir a força vital orientada para a realização do eu e a incapacidade que para o Autor resultou de se tornar protagonista da sua própria existência – cf. Mª Gloria Campi, in Molinari, op. cit., pg.390) de que apenas tenuamente poderemos acompanhar as consequências futuras. [22]
(c) Tribunal da Relação do Porto (TRP). Acórdão de 31 de março de 2009 (Relator, Juiz Desembargador José Maria Cabrita Vieira e Cunha). No tocante aos reflexos de acidente de trânsito sobre a integridade psíquica e existencial de mulher de meia-idade (empregada doméstica acometida de incapacidade geral para o trabalho de 25%), o TRP teceu considerações seguindo a linha de raciocínio esposada no supracitado precedente do TRG (ambos os julgados da relatoria do Juiz Desembargador Vieira e Cunha), ao atinar com os efeitos deletérios do sinistro para a esfera das relações interpessoais e o campo de atividades da vítima: [...] na vertente do dano existencial e psíquico (o dano da vida de relação e o dano da dificuldade de "coping", ou seja, da dificuldade em lidar com a sua actual incapacidade, bem como a dificuldade nas relações sociais, a incapacidade para o desempenho da actividade profissional de empregada doméstica que sempre desempenhou; o prejuízo sexual — fixável num grau 3 em 5) [23]
(d) Tribunal da Relação do Porto. Acórdão de 20 de abril de 2010 (novamente na qualidade de Relator, o Juiz Desembargador Vieira e Cunha). Consiste em caso judicial que ilustra como o dano existencial (também, in casu, decursivo de acidente de trânsito), mais do que afetar o projeto de vida da pessoa humana e seus círculos de relações intersubjetivas, faz com que atos tão intrínsecos à rotina pretérita da vítima se convertam, após a prática do ilícito, em tarefas árduas de executar: [...] o dano da vida de relação e o dano da dificuldade de "coping", ou seja, da dificuldade em lidar com a sua actual incapacidade, bem como a dificuldade nas relações sociais, a incapacidade para o desempenho das actividades diárias, de cultivo ou agrícolas, de carpinteiro, ou outras, de utilidade permanente, e próprias do passadio de vida de qualquer cidadão e de qualquer estrato social, a dificuldade em realizar as tarefas tão simples de vestir, calçar ou tomar banho, em suma, o prejuízo de afirmação pessoal [...]. [24]  

No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) [25], destaca-se, recorda Nunes [26], o caso Benavides versus Peru, julgado em 3 de dezembro de 2001. No referido decisum,a Corte IDH, sob a presidência do Juiz Augusto Antônio Cançado Trindade [27], inferiu "dano ao projeto de vida" [28] de Luis Alberto Cantoral Benavides e, por conseguinte, impôs à República do Peru a concessão à vítima de "uma bolsa de estudos" [29] e o custeio dos "gastos de sua manutenção durante o período de seus estudos" [30].

Tal condenação do Estado peruano se originou de prisão provisória ilegal e arbitrária, realizada no domicílio da vítima pela Polícia Antiterrorista [31] (Dirección Nacional contra el Terrorismo) do Peru (que, em verdade, procurava pelo irmão mais velho e, na ausência deste, prendeu aquele) [32]. O encarceramento durou 4 (quatro) anos, durante os quais Benavides sofreu abusos físicos e psicológicos que ocasionaram problemas psiquiátricos perenes e o impeliram a se refugiar no Brasil após sua soltura, prejudicando a dimensão acadêmica do seu projeto de vida anterior à prisão (então com vinte anos de idade, cursava graduação em Biologia na Universidade Nacional Maior de São Marcos, instituição universitária sediada em Lima) [33]

Ao motivar sua decisão, salientou a Corte Interamericana: É, de outra parte, evidente para esta Corte que os fatos deste caso ocasionaram uma grave alteração do curso que, normalmente, teria seguido a vida de Luis Alberto Cantoral Benavides. Os transtornos que esses fatos lhe impuseram, impediram a realização da vocação, das aspirações e potencialidades da vítima, em particular no que diz respeito à sua formação e ao seu trabalho como profissional. Tudo isso tem representado um sério prejuízo para o seu "projeto de vida". [34]  

Ao compulsar a jurisprudência italiana relativa ao dano existencial, Soares [35] menciona precedente da Corte de Apelação de Gênova, corporificada em sentença de mérito de 7 de fevereiro de 2003, por meio da qual o juízo monocrático de revisão, decorridos cerca de 7 (sete) anos de prisão, absolveu Daniele Barillà da acusação de prática de crime relativo a tráfico de drogas. Sob a óptica do dano existencial, aquele juízo singular de segundo grau focou os desdobramentos dos anos de prisão sobre a vida social e familiar do acusado: A indenização por dano existencial foi concedida, tendo em vista que o ofendido teve um comprometimento negativo em suas condições de vida, em razão da prisão injusta, tendo renunciado "involuntariamente aos próprios hábitos da vida", não pôde constituir uma família, ficou privado do convívio da família e da noiva; não estava junto ao pai quando este faleceu, sofreu preconceito e privações por ser considerado traficante de drogas. [36]"

Recomendo a leitura integral do artigo do Dr. Hidemberg, no sítio jusnavigandi, muito interessante, haja vista que há uma reflexão filosófica acerca da existência que não pode passar desapercebida e merece amparo, ainda que financeiro, quando há um atentado à mesma. 

Deveras, o dano existencial decorre de fatos sociais radicias e dramáticos. Verdadeiras "janelas killer", feridas abertas que não cicatrizam com o tempo. No plano psicológico, influiria de modo a engessar qualquer atividade desenvolvida pela pessoa que sofreu ou está a sofrê-lo. 

A própria existência é um trauma! Alguém já o disse. Por outro lado, os dramas vividos podem tornar a pessoa em um ser mais forte que talvez vença essas barreiras psicológicas, através de "janelas light" (pensamentos positivos acerca da existência) e combativos aos pensamentos ruins introduzidos pelas "janelas killer"(traumas), fazendo com que ela repagine a sua consciência e vença os seus pesadelos.

Nesse sentido, poderá (re)escrever os seus projetos de vida, nunca é tarde para (re)começar. Projetos de existência podem ser danosos se não houver luta renhida nesse sentido, posto que a vida é combate.
  
É o que penso!

Carlos Ilha 

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