segunda-feira, 29 de abril de 2013

Família: "a Base da Sociedade?"

A família é a base de tudo, é a "base da sociedade" (art. 226 caput, CF/88). Onde ocorre o início das relações complexas que o ser, enquanto vivente e em sociedade, sujeito de direito e contraente de obrigações (ubi societas ibi ius), desenvolverá futuramente. A família é responsável por moldar o caráter das personalidades dela advindas que descobrem um novo mundo ou o mundo novo(?)

No contexto familiar, em entendimento de Fustel de Coulanges, a religião figurava como elemento constitutivo da família antiga:

"Os historiadores do direito romano, observando com acerto que nem o nascimento nem o afeto foram alicerces da família romana, julgaram que tal fundamento deveria residir no poder paterno ou no do marido. Fazem desse poder uma espécie de instituição patrimonial, mas não explicam como se constituiu, a não ser pela superioridade da força do marido sobre a mulher e do pai sobre os filhos. Ora, seria erro grave atribuir à força a origem do direito (...) a autoridade paterna ou marital, longe de ter sido causa principal, foi, ela mesma, um efeito; originou-se da religião e por esta foi estabelecida. Não foi, pois, o princípio fundamental da família".(COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Série Ouro. Trad. Jean Melville.  Texto Integral. Editora: Martin Claret, 2005, p. 45).

Antigamente havia sim um elemento coesivo no âmbito familiar, em que o Pater Familiae seria uma espécie de sacerdote  de sua prole e cônjuge, por ocasião da força da religião que se fazia presente nos cultos, tanto aos mortos como nas crenças antigas relativamente aos deuses paternos:

"O que unia os membros da família antiga era algo, mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física; e esse poder se encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida. A família antiga seria, pois, uma associação religiosa, mais que a associação natural (...) a mulher só será levada em conta quando a cerimônia sagrada do casamento a tiver iniciado no culto; que o filho deixa de fazer parte da família quando renuncia ao culto ou quando se emancipa; o filho adotado, ao contrário, se torna verdadeiro filho para a família, quando, embora não tenha laços de sangue, passa a ter na comunhão do culto algo melhor que isso; o legatário que se recusar a adotar o culto dessa família não fará jus à sucessão; enfim, como o parentesco e o direito de herança são regulamentados não pelo nascimento, mas de acordo com os direitos de participação no culto, conforme o estabeleceu a religião. Sem dúvida, não foi a religião que criou a família, mas foi seguramente esta que fixou suas regras e, como resultado, o ter a família antiga recebido uma constituição muito diferente da que teria tido se tivesse sido baseada nos sentimentos naturais apenas. A antiga língua grega tinha uma palavra bastante significativa para designar a família; chamava-lhe epístion, o que literalmente significa: aquilo que está junto do fogo. A família era pois um grupo de pessoas a quem a religião permitia invocar os mesmos manes e oferecer o banquete fúnebre aos mesmos antepassados". (Idem, p. 45-46).

Assim se constituía a família em tempos remotos. Parece que a cultura moldou algumas famílias hodiernas que são um pouco parecidas com essa base, a do respeito ao Pai por ocasião do senso coesivo da religião

Os cultos familiares passaram, entretanto, mitigados por novas religiões que foram surgindo e novos modos de pensar. O Pater Familiae já não é tão venerado como sacerdote, posto que as novas famílias e os novos tempos desorganizaram essa visão. Não obstante, aos numerosos casos de divórcio e de separações, casamentos entre pessoas do mesmo sexo, já não é mais possível falar em religião no âmbito familiar, de modo geral.  

A família de nosso tempo está a se desintegrar paulatinamente pelas distâncias, pelas diferenças que se denotam com o passar do tempo, pelos novos modos de pensar a própria instituição familiar. O seu elemento de conexão não parece tão firme quanto antes. que ser dito que o que vigora hoje no ambiente familiar é a capacidade econômica que cada um tem de prover o próprio sustento. O respeito não está mais na representatividade, no amor fraternal, nas regras familiares, mas sim no patrimônio amealhado por cada qual dos membros da família.

"(...) essa dispersão periódica reduz a nada a família como ser coletivo. No passado, a sociedade doméstica não era apenas uma reunião de indivíduos unidos por laços de afeição mútua; era também um grupo, caracterizado como unidade abstrata e impessoal. Havia o nome hereditário que tantas recordações suscitava, as histórias dos antepassados, as situações e a reputação familiar, etc. Tudo isso tende a desaparecer. Uma sociedade que, em tantos de seus aspectos, se dissolve a cada instante, para em condições novas e com outros elementos, se reconstituir em seguida, não possui a continuidade suficiente para adquirir uma fisionomia pessoal, para ter uma história própria a que se possam afeiçoar os membros. Se, portanto, os homens não forem substituindo esse objetivo da atividade que lhes vai fugindo, é impossível que não se produza um grande vazio em sua existência (grifei)". (DURKHEIM, Émile. O Suicídio. Série Ouro, 1° reimpressão, Tradução Alex Martins, Ed. Martin Claret: São Paulo, 2008, p. 415).

Há membros que são absolutamente discriminados e esquecidos, por não possuírem condições financeiras adequadas à subsistência própria, como, por exemplo, o irmão da cantora "Rainha do Pop" Madonna.

Mesmo que o Código Civil Brasileiro discipline em seu artigo 1694, que "os parentes podem pedir uns aos outros alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação", sabemos que a sociedade repudia essa "pedição", considera como "esmola ao indigente"!

O princípio da solidariedade familiar, atualmente aceito pelos tribunais de superposição, de maneira mais concreta, não é respeitado pelos membros da família (a base da sociedade?) como deveria e tampouco no âmbito social, de modo geral. 

Em síntese, o elemento religioso que ligava o Pater Familiae aos demais membros da família foi substituído pela coisa, pelo "possuir". O membro da família tem que possuir, "ser" alguma coisa ou outra, para ser respeitado nesse ambiente. Caso contrário, será um "patinho feio", a "ovelha negra da família". Isso faz com que se mitigue os espírito de coesão existente entre essas pessoas, desintegrando a idéia de família como um poder.