terça-feira, 6 de abril de 2010

"Nome Sujo" impede nomeação de candidato!

Muito se escuta falar que a restrição cadastral, como as inclusões em cadastros de "maus pagadores" do Serasa, SPC e CCF do Bacen, impede a nomeação de candidatos com tal restrição, aos cargos, empregos ou funções públicas.

Ocorre que os bancos, nessa toada, através de uma lei que não sei o número, mas totalmente inconstitucional porque fere o princípio da isonomia e da razoabilidade, podem negar acesso ao emprego público àquele candidato que não honra com os seus débitos hodiernos e está incluso num desses cadastros.

Penso que os concursos públicos têm o papel de qualificar pessoas, através dos estudos e das provas aplicadas, buscando selecionar os melhores candidatos às vagas ofertadas (que são muito poucas relativamente ao número de candidatos inscritos).

O desemprego é uma das mazelas sociais que faz com que muitos procurem os concursos públicos, na tentativa de (re)colocação no mercado de trabalho. Contudo, essa massa de pessoas desocupadas, em sua maioria, possui dívidas e restrições cadastrais, posto que sem o trabalho não conseguiram honrar com suas dívidas.

Como a Administração direta ou indireta pode querer que tais candidatos tenham uma atitude exemplar se a própria máquina estatal não cumpre com o seu papel, no sentido da empregabilidade? Como pode exigir que o candidato a concursos públicos que é uma pessoa com uma inteligência acima da média, pois passou na prova e possui qualificação para o cargo, tenha uma conduta ilibada num mundo onde se privilegia o crédito fácil em detrimento da boa fama e do "nome limpo"? Como é possível que essas autoridades não vejam a "canalhice sem precedentes" encetada pelos bancos que induzem os incautos e as suas respectivas esposas ou companheiras ao erro de comprar ou pedir empréstimos, para que, no fim, nada mais reste? Seria do interesse público uma dívida de milhares de reais (impagável) de uma pessoa com qualquer banco, pessoa jurídica ou pessoa física decorrente dos juros extorsivos praticados?

Interessantes esses precedentes, no sentido de que a restrição não pode ser motivo para não nomear candidato com restrição cadastral aprovado em concurso público, in verbis:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO PENITENCIÁRIO. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO ACOLHIMENTO. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA E INVESTIGAÇÃO SOCIAL. DÍVIDAS E CHEQUES SEM FUNDOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE INIDONEIDADE OU AUSÊNCIA DE CONDUTA ILIBADA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
Se os documentos que acompanham a inicial são suficientes para demonstrar a suposta ilegalidade, não há falar-se em ausência de prova pré-constituída ou de direito líquido e certo, razão pela qual admissível o presente mandamus.
Embora lícita a fase do concurso de Técnico Penitenciário denominada Sindicância de Vida Pregressa e Investigação Social, a Administração deve ter sempre em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como observância a todo o sistema de garantias constitucionais, a fim de evitar larga margem ao arbítrio que as avaliações subjetivas propiciam. Fundando-se o ato administrativo impugnado na emissão, pela impetrante, de cheques sem a devida provisão de fundos, indiscutível a violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois tal fato, por si só, sem a devida apuração de todas as circunstâncias que levaram a candidata a assunção de tais dívidas, não é capaz de denotar que possuía inidoneidade moral ou tenha condutas não ilibadas”.(20080020154146MSG, Relator CARMELITA BRASIL, Conselho Especial, julgado em 24/03/2009, DJ 06/04/2009 p. 28)"

    
"CONCURSO PÚBLICO. Candidata alijada de concurso público para o provimento do cargo de Escrivã de Polícia ante o argumento de estar inscrita no SERASA por compromissos pecuniários assumidos e não adimplidos. Emissão de cheques sem provisão de fundos. Justificativas apresentadas que demonstraram incapacidade temporária para a solução das dívidas, inclusive com grave problema de doença familiar. Interpretação do edital do concurso, que se erige como lei para todos os partícipes. Incidência, na espécie, dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de arrostar a decisão administrativa impeditiva de prosseguir no certame. Precedente desta Corte. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. (AC N 70002436368. 3ª CÂMARA CÍVEL TJRS,  REL. DES. AUGUSTO OTÁVIO STERN)"

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CONCURSO PARA INGRESSO NA CARREIRA DE ESCRIVÃO DE POLÍCIA, 1ª TURMA DE NÍVEL SUPERIOR. EDITAL N.º 029-98. APROVAÇÃO NAS TRÊS ETAPAS DO CERTAME. SINDICÂNCIA DA VIDA PREGRESSA. DÍVIDAS. IMPEDIMENTO DE FREQÜENTAR O CURSO DE FORMAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DEFERIMENTO DE LIMINAR. MÉRITO PELA DENEGAÇÃO NA ORIGEM. PROVIMENTO. APELAÇÃO PROVIDA. CONCESSÃO DA ORDEM. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70001495092, QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. WELLINGTON PACHECO BARROS, JULGADO EM 01/11/2006)"

Há, nesse sentido, interessante parecer do Excelentíssimo Senhor Doutor João Batista Marques Tovo, membro do MP, que oficiou no processo da ementa acima transcrita:


“(...). 3. Alijado do concurso para o cargo de Escrivão de Polícia em razão da sindicância sobre a vida pregressa por decisão do Conselho Superior de Polícia, o recorrente impetrou o presente mandado de segurança visando garantir o seu alegado direito de acesso ao curso e ao cargo. Malsucedido, recorre insistindo em seus argumentos.
4. Na sindicância realizada sobre a vida pregressa do candidato, foi constatado pelo Conselho Superior de Polícia o seguinte: “restou demonstrado que o mesmo apresenta antecedente policial, por violação de domicílio, títulos protestados, atingindo a cifra superior a R$13.000,00, pendências bancárias da ordem de R$727,27, cheques sem fundos, em números e valores não perfeitamente definidos, fatos que omitiu no questionário específico.” (v. fl. 165). No que tange ao antecedente policial, restou claro que o autor é inocente, tendo em vista as certidões por ele juntadas (v. fls. 130 à 141). Ademais, não existe processo contra o autor por violação de domicílio (v. fl. 19). No que tange aos títulos protestados, o fato de ser o autor obrigado por dívida vencida, que inclusive foi posteriormente renegociada, não é motivo de reprovação em prova de capacitação moral, pois esta é a situação de milhares de brasileiros honestos, que não conseguem quitar suas dívidas face a usura instalada no país pelas instituições de crédito e assemelhados. Portanto, o fato do autor contrair dívidas não é motivo para ser excluído do certame por falta de capacidade moral. Ademais, ficou comprovado que o não pagamento dos compromissos assumidos foi devido à demissão ocorrida em 11-8-1998 (v. fl. 38), o que é perfeitamente explicável, tendo em vista o abalo que causa nas vidas das pessoas a perda de um emprego. O fato do autor possuir dívidas não é indicativo de falta de “capacidade” moral. (...)
“5. A Constituição Federal prevê em seu artigo 37, inciso I, o direito de acesso aos cargos públicos: “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei...” Já no inciso II do mesmo artigo, está expresso a forma de acesso aos cargos públicos: “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso publico de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei...“. No artigo 5º, § XXXV, está disposto que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.” Dos artigos mencionados, concluímos que o autor preencheu os requisitos estabelecidos em lei para o ingresso ao cargo público. O critério para a sua eliminação foi sua conduta moral, considerada inadequada para o cargo, consubstanciada nas dívidas contraídas após a demissão de seu antigo emprego. Em dizer que é imoral conduta que, segundo o senso comum e o princípio da razoabilidade, não o é, a Administração está indo muito além em sua reconhecida discricionariedade. Consagrado o seu entendimento teremos concretamente a violação do direito de acesso aos cargos públicos e a violação de um direito social basilar em nossa sociedade: o direito ao trabalho.
6. Isto posto, a manifestação do Ministério Público de segundo grau vai no sentido de que seja provido o recurso, concedendo-se a ordem. (...)”

É impressionante como a vida se tornou muito difícil e como todos combinam nesse sentido, nessa alienação de cultivar desesperados por trabalho, causando a "morte civil" de muitos cidadãos que poderiam contribuir positivamente para com a sociedade.

Parece que o próprio Estado já está a se incumbir de fazer valer o termo "geração perdida".

É lamentável!