terça-feira, 8 de junho de 2010

Ainda Sobre a Relativização da Coisa Julgada - Artigo de Candido Rangel Dinamarco

RELATIVIZAR A COISA JULGADA MATERIAL

Cândido Rangel Dinamarco



SUMÁRIO: § 1º  A COISA JULGADA ENTRE AS OUTRAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS  PREMISSAS - 1. minhas premissas - 3. coisa julgada material, coisa julgada formal e preclusão - 4. a coisa julgada material no processo civil de resultados - 5. a proposta do Min. José Augusto Delgado - 6. O Supremo Tribunal Federal e a garantia do justo valor - 7. de Pontes de Miranda a Humberto Theodoro Júnior - 8. Eduardo Couture - 9. Juan Carlos Hitters - 10. Hugo Nigro Mazzilli e as lições que invoca - 11. direito norte-americano - 12. um caso examinado pela profa. Ada Pellegrini Grinover - 13. não levar longe demais a autoridade da coisa julgada - § 2º  PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO - 14. a coisa julgada material na garantia constitucional, na disciplina legal e no sistema - 15. método indutivo - 16. coisa julgada, efeitos da sentença e impossibilidades jurídicas- 17. impossibilidade jurídica e convivência entre princípios e garantias - 18. justo preço e moralidade: valores constitucionais relevantes - 19. sentenças juridicamente impossíveis  a favor ou contra o Estado - 20. a dimensão da conclusão proposta - 21. remédios processuais adequados - 22. minhas preocupações


§ 1º  A COISA JULGADA ENTRE AS OUTRAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS  PREMISSAS

1. minhas premissas

Escrevi em sede doutrinária que “sem ser um efeito da sentença, mas especial qualidade que imuniza os efeitos substanciais desta a bem da estabilidade da tutela jurisdicional, a coisa julgada não tem dimensões próprias, mas as dimensões que tiverem os efeitos da sentença.” Sendo um elemento imunizador dos efeitos que a sentença projeta para fora do processo e sobre a vida exterior dos litigantes, sua utilidade consiste em assegurar estabilidade a esses efeitos, impedindo que voltem a ser questionados depois de definitivamente estabelecidos por sentença não mais sujeita a recurso. A garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade, que têm, de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença.

Venho também pondo em destaque a necessidade de equilibrar adequadamente, no sistema do processo, as exigências conflitantes da celeridade, que favorece a certeza das relações jurídicas, e da ponderação, destinada à produção de resultados justos. O processo civil deve ser realizado no menor tempo possível, para definir logo as relações existentes entre os litigantes e assim cumprir sua missão pacificadora; mas em sua realização ele deve também oferecer às partes meios adequados e eficientes para a busca de resultados favoráveis, segundo o direito e a justiça, além de exigir do juiz o integral e empenhado conhecimento dos elementos da causa, sem o que não poderá fazer justiça nem julgará bem. A síntese desse indispensável equilíbrio entre exigências conflitantes é: o processo deve ser realizado e produzir resultados estáveis tão logo quanto possível, sem que com isso se impeça ou prejudique a justiça dos resultados que ele produzirá. Favorecem o primeiro desses objetivos os prazos preclusivos impostos às partes, as preclusões de toda ordem e, de modo superior, a autoridade da coisa julgada material que incide sobre os efeitos da sentença a partir de quando nenhum recurso seja mais possível; são fatores ligados ao valor do justo o contraditório oferecido às partes e imposto ao juiz, as garantias constitucionais da igualdade, da ampla defesa, do devido processo legal, do juiz natural etc., assim como os recursos e a ação rescisória, mediante os quais o vencido procura afastar decisões que o desfavorecem e o Poder Judiciário tem a oportunidade de aprimorar seu produto.

A partir dessas idéias, em uma obra ainda inédita proponho a interpretação sistemática e evolutiva dos princípios e garantias constitucionais do processo civil, dizendo que “nenhum princípio constitui um objetivo em si mesmo e todos eles, em seu conjunto, devem valer como meios de melhor proporcionar um sistema processual justo, capaz de efetivar a promessa constitucional de acesso à justiça (entendida esta como obtenção de soluções justas – acesso à ordem jurídica justa).

Como garantia-síntese do sistema, essa promessa é um indispensável ponto de partida para a correta compreensão global do conjunto de garantias constitucionais do processo civil”, com a consciência de que ”os princípios existem para servir à justiça e ao homem, não para serem servidos como fetiches da ordem processual”.

Digo ainda: “não fora essa seguríssima premissa metodológica, haveria grande dificuldade para a justificação sistemática das medidas urgentes, concedidas inaudita altera parte e portanto não preparadas segundo um contraditório entre as partes. Mas o próprio valor democrático do contraditório, que não é fim em si mesmo mas um dos meios de construção do processo justo e équo, há de ceder ante as exigências substanciais de promover o acesso à justiça, em vez de figurar como empecilho à efetividade desta”.

Tais são as premissas que proponho, como ponto de início e de apoio para os raciocínios a desenvolver no presente estudo sobre a relativização da garantia constitucional da coisa julgada no momento presente. Venho dizer, em síntese, (a) que essa garantia não pode ir além dos efeitos a serem imunizados e (b) que ela deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo civil.

3. coisa julgada material, coisa julgada formal e preclusão

Como é notório e já foi dito, um dos valores buscados pela ordem jurídico-processual é o da segurança nas relações jurídicas, que constitui poderoso fator de paz na sociedade e felicidade pessoal de cada um. A tomada de uma decisão, com vitória de um dos litigantes e derrota do outro, é para ambos o fim e a negação das expectativas e incertezas que os envolviam e os mantinham em desconfortável estado de angústia. As decisões judiciárias, uma vez tomadas, isolam se dos motivos e do grau de participação dos interessados e imunizam se contra novas razões ou resistências que se pensasse em opor-lhes (Niklas Luhmann, Tércio Sampaio Ferraz Jr.), chegando a um ponto de firmeza que se qualifica como estabilidade e que varia de grau conforme o caso.

O mais elevado grau de estabilidade dos atos estatais é representado pela coisa julgada, que a doutrina mais conceituada define como imutabilidade da sentença e de seus efeitos, com a vigorosa negação de que ela seja mais um dos efeitos da sentença (Liebman). Não há dois institutos diferentes ou autônomos, representados pela coisa julgada formal e pela material. Trata-se de dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas; a distinção entre coisa julgada formal e material revela somente que a imutabilidade é uma figura de duas faces, não dois institutos diferentes (sempre, LIEBMAN).

A coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito. Quer se trate de sentença meramente declaratória, constitutiva ou condenatória, ou mesmo quando a demanda é julgada improcedente, no momento em que já não couber recurso algum institui-se entre as partes e em relação ao litígio que foi julgado uma situação, ou estado, de grande firmeza quanto aos direitos e obrigações que os envolvem, ou que não os envolvem. Esse status, que transcende a vida do processo e atinge a das pessoas, consiste na intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, de modo que nada poderá ser feito por elas próprias, nem por outro juiz, nem pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que houver sido decidido (ainda Liebman). Não se trata de imunizar a sentença como ato do processo, mas os efeitos que ela projeta para fora deste e atingem as pessoas em suas relações – e daí a grande relevância social do instituto da coisa julgada material, que a Constituição assegura (art. 5o, inc. XXXVI) e a lei processual disciplina (arts. 467 ss.).

Com essa função e esse efeito, a coisa julgada material não é instituto confinado ao direito processual. Ela tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional. Uma vez consumada, reputa-se consolidada no presente e para o futuro a situação jurídico-material das partes, relativa ao objeto do julgamento e às razões que uma delas tivesse para sustentar ou pretender alguma outra situação.

Toda possível dúvida está definitivamente dissipada, quanto ao modo como aqueles sujeitos se relacionam juridicamente na vida comum, ou quanto à pertinência de bens a um deles. As normas e técnicas do processo limitam-se a reger os modos como a coisa julgada se produz e os instrumentos pelos quais é protegida a estabilidade dessas relações  mas a função dessas normas e técnicas não vai além disso. Nesse sentido é que prestigioso doutrinador afirmou ser a coisa julgada material o direito do vencedor a obter dos órgãos jurisdicionais a observância do que tiver sido julgado (Hellwig).

Quando porém já não se pensa nos efeitos imunizados da sentença, mas na sentença em si mesma como ato jurídico do processo, sua imutabilidade é conceituada como coisa julgada formal. Em um momento, já não cabendo recurso algum, ela opera sua eficácia consistente em pôr fim à relação processual (art. 162, § 1o) e, a partir de então, nenhum outro juiz ou tribunal poderá introduzir naquele processo outro ato que substitua a sentença irrecorrível. Como é inerente à teoria dos recursos e está solenemente proclamado no art. 512 do Código de Processo Civil, o julgamento proferido em um recurso cassa sempre a decisão recorrida e, quando não a anula, substitui-a desde logo ainda que lhe confirme o teor (improvimento  lição corrente em doutrina: Barbosa Moreira etc.). A coisa julgada formal existe quando já não for possível, pelas vias recursais, cassar a sentença proferida e muito menos substituí-la por outra. Ela incide sobre sentenças de qualquer natureza, seja de mérito ou terminativa, porque não diz respeito aos efeitos substanciais mas à própria sentença como ato do processo.

A distinção entre coisa julgada material e formal consiste, portanto, em que (a) a primeira é a imunidade dos efeitos da sentença, que os acompanha na vida das pessoas ainda depois de extinto o processo, impedindo qualquer ato estatal, processual ou não, que venha a negá-los; enquanto que (b) a coisa julgada formal é fenômeno interno ao processo e refere-se à sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.

Assim conceituada, a coisa julgada formal é manifestação de um fenômeno processual de maior amplitude e variada intensidade, que é a preclusão  e daí ser ela tradicionalmente designada como præclusio maxima. Toda preclusão é extinção de uma faculdade ou poder no processo; e a coisa julgada formal, como preclusão qualificada que é, caracteriza-se como extinção do poder de exigir novo julgamento quando a sentença já tiver passado em julgado. O sistema procedimental brasileiro é muito mais preclusivo que os europeus, o que é uma decorrência das fases em que a lei distribui os atos do procedimento, sem possibilidade de repetições ou retrocessos  e daí ser a rigidez do procedimento um dos mais destacados elementos caracterizadores do modelo processual infraconstitucional brasileiro.

A coisa julgada material, a formal e as preclusões em geral incluem-se entre os institutos com que o sistema processual busca a estabilidade das decisões e, através dela, a segurança nas relações jurídicas. Escuso-me pelo tom didático com que expus certos conceitos elementares referentes a esses institutos; assim fiz, com a intenção de apresentar a base sistemática dos raciocínios que virão, onde porei em destaque e criticarei alguns tradicionais exageros responsáveis por uma exacerbação do valor da coisa julgada e das preclusões, a dano do indispensável equilíbrio com que devem ser tratadas as duas exigências contrastantes do processo.

O objetivo do presente estudo é demonstrar que o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é portanto a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (Const., art. 5o, inc. XXXV).

4. a coisa julgada material no processo civil de resultados

Um óbvio predicado essencial à tutela jurisdicional, que a doutrina moderna alcandora e realça, é o da justiça das decisões. Essa preocupação não é apenas minha: a doutrina e os tribunais começam a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas.

Com preocupações dessa ordem é que, em seguidas manifestações como magistrado e como conferencista, o Min. José Delgado defende uma “conceituação da coisa julgada em face dos princípios da moralidade pública e da segurança jurídica”, fórmula essa que em si é uma proposta de visão equilibrada do instituto, inerente ao binômio justiça segurança. Do mesmo modo, também HUMBERTO THEODORO JÚNIOR postula esse equilíbrio, em parecer onde enfrenta o tema do erro material arredio à autoridade do julgado. E conhece-se também a posição assumida pelo procurador de justiça HUGO NIGRO MAZZILLI ao defender a “necessidade de mitigar a coisa julgada”. Esses e outros pensamentos, aos quais associo uma interessantíssima narrativa de Eduardo Couture e importantes precedentes do Supremo Tribunal Federal e do direito norte-americano, abrem caminho para a tese relativizadora dos rigores da auctoritas rei judicatæ e autorizam as reflexões que a seguir virão, todas elas apoiadas na idéia de que “levou-se muito longe a noção de res judicata, chegando-se ao absurdo de querê-la capaz de criar uma outra realidade, fazer de albo nigrum e mudar falsum in verum” (Pontes de Miranda).

De minha parte, pus em destaque a necessidade de produzir resultados justos, quando há mais de dez anos disse: “em paralelismo com o bem-comum como síntese dos objetivos do Estado contemporâneo, figura o valor justiça como objetivo síntese da jurisdição no plano social”. Essas palavras estão em minha tese acadêmica escrita no ano de 1986, incluídas em um capítulo denominado “justiça nas decisões”. Em outro tópico da obra, disse também que “eliminar conflitos mediante critérios justos” é o mais nobre dos objetivos de todo sistema processual. São essas as premissas, de resto já referidas logo ao início do parecer, sobre as quais cuido de assentar a proposta de um correto e razoável dimensionamento do poder imunizador da coisa julgada, relativizando o significado dessa garantia constitucional e harmonizando o naquele equilíbrio sistemático de que falo.

5. a proposta do Min. José Augusto Delgado

Em voto proferido como relator na Primeira Turma do Col. Superior Tribunal de Justiça, o Min. José Augusto Delgado declarou sua “posição doutrinária no sentido de não reconhecer caráter absoluto à coisa julgada” e disse filiar-se “a determinada corrente que entende ser impossível a coisa julgada, só pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor-se aos princípios da moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado”.

A Fazenda do Estado de São Paulo havia sido vencida em processo por desapropriação indireta e, depois, feito acordo com os adversários para parcelamento do débito; pagas algumas parcelas, voltou a juízo com uma demanda que denominou ação declaratória de nulidade de ato jurídico cumulada com repetição de indébito. Sua alegação era a de que houvera erro no julgamento da ação expropriatória, causado ou facilitado pela perícia, uma vez que a área supostamente apossada pelo Estado já pertencia a ele próprio e não aos autores. Apesar do trânsito em julgado e do acordo depois celebrado entre as partes, o Min. José Delgado votou no sentido de restabelecer, em sede de recurso especial, a tutela antecipada que o MM. Juiz de primeiro grau concedera à Fazenda e o Tribunal paulista, invocando a auctoritas rei judicatæ, viera a negar. A tese do Ministro prevaleceu por três votos contra dois e a tutela antecipada foi concedida.

Essas idéias, há algum tempo já as vinha defendendo o ilustre magistrado em conferências e já as defendera quando juiz de primeiro grau no Estado do Rio Grande do Norte. No primeiro semestre do corrente ano de 2000, voltou a elas em uma exposição feita na cidade mineira de Poços de Caldas, quando reafirmou que a autoridade da coisa julgada está sempre condicionada aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem cuja presença a segurança jurídica imposta pela coisa julgada “não é o tipo de segurança posto na Constituição Federal”. Discorrendo didaticamente perante uma platéia composta na maioria por estudantes, o conferencista ilustrou seu pensamento com hipotéticos casos de sentenças impondo condenações ou deveres absurdos, como aquela que mandasse a mulher carregar o marido nas costas todos os dias, da casa ao trabalho; ou a que impusesse a alguém uma pena consistente em açoites por chicote em praça pública; ou a que, antes do advento das modernas técnicas biológicas (HLA, DNA), houvesse declarado uma paternidade irreal. “Será que essa sentença, mesmo transitada em julgado, pode prevalecer?”, indaga retoricamente, para depois responder apoiando-se em obra de Humberto Theodoro Júnior: “as sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer modo, porque a sentença abusiva não é sentença”.


6. O Supremo Tribunal Federal e a garantia do justo valor

Já em julgados da década dos anos oitenta proclamou o Col. Supremo Tribunal Federal que, em dadas circunstâncias, “não ofende a coisa julgada a decisão que, na execução, determina nova avaliação para atualizar o valor do imóvel, constante de laudo antigo, tendo em vista atender à garantia constitucional da justa indenização”. A circunstância especial levada em conta em mais de um julgado foi a procrastinação do pagamento por culpa do ente expropriante, às vezes até mediante a indevida retenção dos autos por anos. Em um desses casos, o relator, Min. Rafael Mayer, aludiu ao “lapso de tempo que desgastou o sentido da coisa julgada”, como fundamento para prestigiar a realização de nova perícia avaliatória, afastando de modo expresso a autoridade da coisa julgada como óbice a essa diligência. Em outro caso, o Min. Néri da Silveira votou e foi vencedor no sentido de fazer nova avaliação apesar do trânsito em julgado da sentença que fixara o valor indenizatório, apesar de não ter havido procrastinações abusivas mas sempre com o superior objetivo de assegurar a justa indenização, que é um valor constitucionalmente assegurado; esse caso viera do Estado do Rio Grande do Norte e a R. sentença de primeiro grau jurisdicional, no mesmo sentido, fora da lavra do então juiz José Augusto Delgado.

Discorreu-se também sobre a questão da correção monetária não imposta em sentença, em virtude de lei superveniente e da inflação que viera a corroer o valor aquisitivo da moeda. Pacificamente vem sendo entendido que corrigir valores não ultraja a garantia constitucional da coisa julgada, porque não implica alteração substancial da indenização, mas mero ajuste nominal. Essa é minha opinião exarada há pelo menos vinte-e-cinco anos e posta em artigo no ano de 1984.

7. de Pontes de Miranda a Humberto Theodoro Júnior

Para ilustrar a assertiva de que se levou longe demais a noção de coisa julgada, Pontes de Miranda discorre sobre as hipóteses em que a sentença é nula de pleno direito, arrolando três impossibilidades que conduzem a isso: impossibilidade cognoscitiva, lógica ou jurídica. Fala, a propósito, da sentença ininteligível, da que pusesse alguém sob regime de escravidão, da que instituísse concretamente um direito real incompatível com a ordem jurídica nacional etc. Para esses casos, alvitra uma variedade de remédios processuais diferentes entre si e concorrentes, à escolha do interessado e segundo as conveniências de cada caso, como (a) nova demanda em juízo sobre o mesmo objeto, com pedido de solução conforme com a ordem jurídica, sem os óbices da coisa julgada, (b) resistência à execução, inclusive mas não exclusivamente por meio de embargos a ela e (c) alegação incidenter tantum em algum outro processo.

Nessa mesma linha, Humberto Theodoro Júnior, invocando o moderno ideário do processo justo, os fundamentos morais da ordem jurídica e sobremaneira o princípio da moralidade que a Constituição Federal consagra de modo expresso, postula uma visão larga das hipóteses de discussão do mérito mediante os embargos do executado. O caso que examinava em parecer era de uma dupla condenação da Fazenda a pagar indenizações pelo mesmo imóvel. Segundo se alegava, ela já havia satisfeito a uma das condenações e com esse fundamento opunha-se à execução que se fazia com base na outra condenação, mas pelo mesmo débito. Em suas conclusões, o conhecido Mestre mineiro propôs o enquadramento do caso na categoria do erro material, para sustentar afinal que, conseqüentemente, “não haverá a res iudicata a seu respeito”.

8. Eduardo Couture

Mais de uma vez Eduardo Juan Couture escreveu sobre a admissibilidade e meios da revisão judicial das sentenças cobertas pela coisa julgada, particularmente em relação a ordenamentos jurídicos, como o do Uruguai àquele tempo, cuja lei não consagre de modo expresso essa possibilidade. Preocupavam o Príncipe dos processualistas latino americanos as repercussões que a fraude pudesse projetar sobre a situação jurídica das pessoas (partes ou terceiros), ainda mais quando os resultados da conduta fraudulenta estiverem reforçados pela autoridade da coisa julgada. Disse, a propósito desse elegante tema, que “a consagração da fraude é o desprestígio máximo e a negação do direito, fonte incessante de descontentamento do povo e burla à lei”. Maneja o sugestivo conceito de coisa julgada delinqüente e diz que, se fecharmos os caminhos para a desconstituição das sentenças passadas em julgado, acabaremos por outorgar uma carta de cidadania e legitimidade à fraude processual e às formas delituosas do processo. E disse também, de modo enfático: “chegará um dia em que as forças vitais que o rodeiam [rodeiam o jurista] exigirão dele um ato de coragem capaz de pôr à prova suas meditações”.
Couture examinou o caso do fazendeiro rico que, tendo gerado um filho em parceria com uma empregada, gente muito simples, para forrar se às responsabilidades de pai induziu esta a constituir um procurador, pessoa da absoluta confiança dele, com poderes para promover a ação de investigação de paternidade. Citado, o fazendeiro negou vigorosamente todos os fatos constitutivos narrados na demanda e o procurador do menor e da mãe, que agia em dissimulado conluio com o fazendeiro, negligenciou por completo o ônus de provar o alegado; a conseqüência foi a improcedência total da demanda, passando em julgado a sentença porque obviamente o advogado conluiado não recorreu. Mais tarde, chegando à maioridade, aquele mesmo filho moveu novamente uma ação de investigação de paternidade, quando então surgiu o problema da coisa julgada. O caso terminou em acordo, lamentando-se não ter sido possível aprofundar a discussão e obter um pronunciamento do Poder Judiciário sobre o importantíssimo tema.

9. Juan Carlos Hitters

Em monografia sobre a revisão da coisa julgada, o professor da Universidade de La Plata faz uma longa resenha de casos apreciados por tribunais argentinos, em que a firmeza de preclusões de diversas naturezas foi objeto de questionamentos, em busca de sustentação para sua tese central  que também é a da admissibilidade dessa revisão ainda quando o direito positivo não a haja previsto ou disciplinado. Procura conciliar harmoniosamente o enquadramento normativo do tema com a sua dimensão sociológica, tendo em vista o culto da justiça e em especial a eqüidade, que é a justiça singularizada para o caso específico; e conclui alvitrando de modo entusiástico as aberturas para a revisão de sentenças substancialmente injustas, infringindo-se a autoridade do julgado se isso for essencial para fazer justiça e afastar desmandos. Ao tempo em que escreveu Hitters, a Suprema Corte havia afirmado a prevalência da auctoritas rei judicatæ em relação a sentenças portadoras de vícios formais, mantendo-se, quanto a essa situação, na posição tradicional vinda das origens. Mas, segundo informa o estudioso, ela nunca se pronunciara sobre a admissibilidade de questionar a coisa julgada com fundamento em vícios substanciais da sentença (sendo virgem a jurisprudência a esse respeito).
Dos casos examinados por Hitters, nem todos dizem respeito à coisa julgada, mas, ao ditar mitigação a graves preclusões ocorridas no processo, todas as decisões oferecem elementos para a construção de uma teoria da revisão da coisa julgada sem previsão legal ou além das previsões legais eventualmente existentes (como no Brasil). Em uma dessas decisões estabeleceu-se (a) que os vícios substanciais podem afetar os atos processuais, (b) que ditos defeitos são suscetíveis de serem alegados e reconhecidos mesmo depois de decorrido eventual prazo preclusivo e (c) que um procedimento judicial pode ficar sem efeito quando, por via de ação, vier a ser reconhecida a existência de um vício de fundo.

10. Hugo Nigro Mazzilli e as lições que invoca

O conhecido e respeitado procurador da justiça figura a hipótese de uma ação civil pública haver sido julgada por serem inócuas ou mesmo benfazejas as emanações liberadas na atmosfera por uma fábrica e, depois do trânsito em julgado, verificar-se o contrário, havendo sido fraudulenta a perícia realizada. Para casos assim, alvitra que se mitigue a regra da coisa julgada erga omnes ditada no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, porque “não se pode admitir, verdadeiramente, coisa julgada ou direito adquirido de violar o meio ambiente e de destruir as condições do próprio habitat do ser humano”. Alega em abono do que sustenta a solene proclamação constitucional do direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado (Const., art. 225) e invoca prestigiosas e bem conhecidas lições do processualista pensador MAURO CAPPELLETTI e do constitucionalista JORGE MIRANDA. Essa exposição está contida em uma rubrica a que sugestivamente dá o título de “a necessidade de mitigar a coisa julgada”.
É muito profunda a observação de Cappelletti, no quadro de seu notório pensamento reformador. Ele vai à raiz dessa problemática, ao estabelecer o confronto entre o tradicional processo civil individualista dos Códigos e os modernos pilares da tutela jurisdicional coletiva, onde se situa a temática das ações civis públicas e da coisa julgada nas sentenças ali produzidas. É nesse contexto metodológico de primeira grandeza que estão as palavras reproduzidas por Mazzilli. Para quem estiver atento aos novos ventos e às ondas renovatórias do processo civil moderno, realmente, caem como um castelo de cartas as velhas estruturas referentes a certos institutos básicos, entre os quais a legitimidade ad causam, a substituição processual, a representação e sobretudo os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada. A visão tradicional dessas categorias jurídicas resta comprometida por sua “impotente incongruência diante de fenômenos jurídicos coletivos como aqueles que se verificam na realidade social e econômica moderna”.
Jorge Miranda, discorrendo bem amplamente sobre a coisa julgada entre os demais princípios e garantias residentes na Constituição, diz que aquela não é um valor absoluto e por isso “tem de ser conjugado com outros”. E, mais adiante: “assim como o princípio da constitucionalidade fica limitado pelo respeito do caso julgado, também este tem de ser apercebido no contexto da Constituição”.

11. direito norte-americano

A cultura jurídica anglo-americana não é tão apegada aos rigores da autoridade da coisa julgada como a nossa, de origem romano germânica. A presença francesa nas origens da legislação das Colônias da América do Norte, e depois a espanhola, podem ter sido fontes de alguma influência do direito romano antigo, não do germânico  sendo sabido que é deste que nos advêm as regras mais rígidas de estabilização das decisões judiciárias em razão da coisa julgada, como a da mais absoluta eficácia preclusiva desta em relação ao deduzido e ao dedutível e como a geral e integral sanatória de eventuais nulidades da sentença (Pontes de Miranda). Nesse quadro, sem a pressão dos dogmas que tradicionalmente nos influenciam, eles são capazes de aceitar com mais naturalidade certas restrições racionais à res judicata, relativizando esta para a observância de outros princípios e outras necessidades. Diz a propósito a conceituada Mary Kay Kane: “há circunstâncias em que, embora presentes os requisitos para a aplicação da coisa julgada, tal preclusão não ocorre. Essas situações ocorrem quando as razões de ordem judicial alimentadas pela coisa julgada são superadas por outras razões de ordem pública subjacentes à relação jurídica que estiver em discussão” (trad. livre). Com dois cases, a professora ilustra essa linha sistemática.
Primeiro case. Em um processo relacionado com a compra e venda de imóvel, no qual ambas as partes buscavam título de propriedade, a Corte rejeitou a alegação de coisa julgada porque do contrário chegar se-ia a um resultado injusto e não se teria a definição de um título para a propriedade  quando a orientação jurídica referente à transferência de propriedade exige que alguma definição quanto ao domínio seja oferecida às partes (Adams vs. Pearson, Ill. 1952).
Segundo case. A coisa julgada foi afastada em razão das regras da lei salarial, de modo que uma ação anterior, omitindo alguns pedidos possíveis, não teve o efeito de excluir a tutela de direito estatutário, limitando-se a reduzir-lhe o valor (Varsity Amusement Co. vs. Butters, Colo. 1964).
Tais pensamentos são valorizados e legitimados pela ponderada ressalva de que “são necessariamente limitadas essas exceções à normal aplicação dos princípios da coisa julgada. Elas dependem da presença de razões sociais específicas e importantes, para que a coisa julgada possa ser desconsiderada” (trad. livre).
Ressalva dessa ordem está presente também na obra em cooperação de que participa a mesma profa. Mary Kay Kane, em parceria com Jack H. Friedenthal e Arthur R. Miller, onde se lê: “é importante observar que embora muitos casos possam depor no sentido de autorizar exceções fundadas no ‘interesse público’ ou no fato de ‘evitar a injustiça’, essas assertivas são geralmente exageradas. Como se verá, as exceções à coisa julgada são mais comumente invocadas, e com mais propriedade, somente em situações específicas nas quais se repute presente uma razão especial para superar os interesses da ordem processual”. Mas isso está escrito em um parágrafo intitulado “exceções à aplicação da coisa julgada”, onde os autores, antes de expor seus exemplos a partir de cases, arrolam as razões capazes de suplantar a autoridade da coisa julgada.

“Em primeiro lugar, há situações em que as normais conseqüências da coisa julgada podem comprometer certos escopos de disposições constitucionais ou legais, de modo que, quando isso acontecer, ulteriores demandas sobre a mesma matéria devem ser admitidas”. Os exemplos oferecidos, de difícil compreensão ao leitor brasileiro, referem-se a casos em que, pelo direito norte-americano, ordinariamente ocorreria uma eficácia preclusiva mas esta foi afastada porque “os direitos em jogo se reputavam suficientemente importantes para superar a necessidade de uma decisão definitiva”.

A posição dos tribunais e dos autores americanos, como se vê, é de uma consciente e equilibrada relativização da coisa julgada, cujo efeito imunizante eles condicionam à compatibilidade com certos valores tão elevados quanto o da definitividade das decisões. Evitar a propagação de litígios, sim, mas evitá-la sem prejuízo a esses valores. Esse pensamento está presente na obra de JAMES HAZARD-LEUBSDORF, onde se coloca de modo explícito a regra de equilíbrio entre duas exigências opostas, de que venho falando, quando eles dizem: “em diversos pontos pusemos em destaque o conflito entre dois fundamentais objetivos da lei processual. De um lado, o sistema processual procura favorecer a plena efetividade das discussões e das possibilidades probatórias de todas as partes, de modo que a causa possa ser bem decidida no mérito; de outro, o sistema cuida também de proporcionar a oferta de uma conclusão final com razoável rapidez e a um custo suportável”. Reputo emblemática e fortemente representativa do pensamento norte-americano sobre a coisa julgada essa passagem colhida em doutrina mais antiga:

“os tribunais somente podem fazer o melhor a seu alcance para encontrar a verdade com base na prova, e a primeira lição que se deve aprender em tema de coisa julgada é que as conclusões judiciais não podem ser confundidas com a verdade absoluta” (Currie).

12. um caso examinado pela profa. Ada Pellegrini Grinover

A conhecida estudiosa cuidou do caso de uma demanda de anulação de escritura de reconhecimento de filiação, cujo fundamento era que tal declaração estaria eivada de falsidade ideológica porque o declarante seria impotente ao tempo e o filho teria sido concebido antes de qualquer relacionamento entre aquele e a mãe deste. Essa demanda foi julgada improcedente, sobrevindo a coisa julgada. Cogitou-se depois da propositura de uma demanda declaratória de inexistência de relação de paternidade entre o mesmo autor e o mesmo réu; e a profa. Ada Pellegrini Grinover, consultada, em parecer respondeu que inexiste o óbice da coisa julgada como impedimento a essa propositura.

Esse estudo coloca-se preponderantemente no plano dogmático e técnico-processual, ao propor o estudo do caso à luz da teoria “dos limites objetivos da coisa julgada, da correlação entre o objeto da demanda e o objeto da sentença”. Afirmou coisas de absoluto acerto sobre a coisa julgada incidente de modo exclusivo sobre o preceito decisório da sentença, sem estender-se aos motivos, como é cediço em doutrina e está claramente disposto nos incisos do art. 469 do Código de Processo Civil. Invocou doutrina antiga e doutrina moderníssima, convergentes sobre o tema. Mesmo assim, sente-se que a ilustre professora foi movida pelo grande empenho, que coincide com o meu, por delimitar o âmbito de incidência da coisa julgada, deixando fora de seus limites objetivos toda e qualquer demanda que não coincida rigorosamente com a que já houver sido proposta e julgada. Suas palavras são significativas nesse sentido, quando diz que “aquela demanda não teve propriamente por objeto a declaração de inexistência da paternidade”. Parece claro que ela quis realmente fazer uma opção.

De todo modo, a posição assumida em dito parecer é muito significativa e útil como alerta contra possíveis ímpetos no sentido de ampliar os limites objetivos do julgado e, no presente caso, serve muito como fundamento para a inadmissibilidade da reclamação endereçada ao Col. Superior Tribunal de Justiça (infra, n. 34).

13. não levar longe demais a autoridade da coisa julgada

Uma coisa resta certa depois dessa longa pesquisa, a saber, a relatividade da coisa julgada como valor inerente à ordem constitucional-processual, dado o convívio com outros valores de igual ou maior grandeza e necessidade de harmonizá-los. Tomo a liberdade de, ainda uma vez, enfatizar a imperiosidade de equilibrar as exigências de segurança e de justiça nos resultados das experiências processuais, o que constitui o mote central do presente estudo e foi anunciado desde suas primeiras linhas. É por amor a esse equilíbrio que, como visto, os autores norte-americanos  menos apegados que nós ao dogma da res judicata  incluem em seus estudos sobre esta a indicação das exceções à sua aplicação. Na doutrina brasileira, insere-se expressivamente nesse contexto a advertência de PONTES DE MIRANDA, acima referida, de que se levou longe demais a noção de coisa julgada. É igualmente central a esse sistema de equilíbrio a fórmula proposta em Portugal pelo constitucionalista JORGE MIRANDA e também citada acima, ao propor que “assim como o princípio da constitucionalidade fica limitado pelo respeito do caso julgado, também este tem de ser apercebido no contexto da Constituição”. São essas as grandes premissas e as colunas em que se apoiam a minha tentativa de sistematização do riquíssimo tema em exame e as conclusões que oferecerei em resposta à consulta recebida.

Para a reconstrução sistemática do estado atual da ciência em relação ao tema, é também útil recapitular em síntese certos pontos particulares revelados naquela pesquisa, a saber:
I  o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade como condicionantes da imunização dos julgados pela autoridade da coisa julgada material;II  a moralidade administrativa como valor constitucionalmente proclamado e cuja efetivação é óbice a essa autoridade em relação a julgados absurdamente lesivos ao Estado;
III  o imperativo constitucional do justo valor das indenizações em desapropriação imobiliária, o qual tanto é transgredido quando o ente público é chamado a pagar mais, como quando ele é autorizado a pagar menos que o correto;
IV  o zelo pela cidadania e direitos do homem, também residente na Constituição Federal, como impedimento à perenização de decisões inaceitáveis em detrimento dos particulares;
v  a fraude e o erro grosseiro como fatores que, contaminando o resultado do processo, autorizam a revisão da coisa julgada;
VI  a garantia constitucional do meio-ambiente ecologicamente equilibrado, que não deve ficar desconsiderada mesmo na presença de sentença passada em julgado;
VII  a garantia constitucional do acesso à ordem jurídica justa, que repele a perenização de julgados aberrantemente discrepantes dos ditames da justiça e da eqüidade;
VIII  o caráter excepcional da disposição a flexibilizar a autoridade da coisa julgada, sem o qual o sistema processual perderia utilidade e confiabilidade, mercê da insegurança que isso geraria.

A partir desses elementos, duas ordens de raciocínios procurarei desenvolver no capítulo a seguir, tentando com eles chegar à definição dos modos e limites de uma desejável e equilibrada relativização da garantia constitucional da coisa julgada.

Proponho-me:
a) a indicar critérios para a relativização racional e equilibrada da coisa julgada, sopesando valores e opinando sobre quais devem prevalecer sobre o desta e quais não, em quais circunstâncias sim e em quais circunstâncias não etc.;
b) a sugerir os modos como o Poder Judiciário pode ser chamado e deve manifestar-se a esse respeito, ou seja, os remédios de que dispõem os litigantes para tentar a liberação do vínculo que a coisa julgada representa.


§ 2º  PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO


14. a coisa julgada material na garantia constitucional, na disciplina legal e no sistema

Na fórmula constitucional da garantia da coisa julgada está dito apenas que a lei não a prejudicará (art. 5o, inc. XXXVI), mas é notório que o constituinte minus dixit quam voluit, tendo essa garantia uma amplitude mais ampla do que as palavras poderiam fazer pensar. Por força da coisa julgada, não só o legislador carece de poderes para dar nova disciplina a uma situação concreta já definitivamente regrada em sentença irrecorrível, como também os juízes são proibidos de exercer a jurisdição outra vez sobre o caso e as partes já não dispõem do direito de ação ou de defesa como meios de voltar a veicular em juízo a matéria já decidida. Tal é a essência da coisa julgada, de que cuida LIEBMAN ao dizer que ela consiste “na imutabilidade da sentença, do seu conteúdo e dos seus efeitos, o que faz dela um ato do poder público portador da manifestação duradoura da disciplina que a ordem jurídica reconhece como aplicável à relação sobre a qual se tiver decidido”.
Com esses contornos, a coisa julgada é mais que um instituto de direito processual.

Ela pertence ao direito constitucional, segundo Liebman, ou ao direito processual material, para quem acata a existência desse plano bifronte do ordenamento jurídico. Resolve-se em uma situação de estabilidade, definida pela lei, instituída mediante o processo, garantida constitucionalmente e destinada a proporcionar segurança e paz de espírito às pessoas.

Na lei processual, a concreta ocorrência da coisa julgada é condicionada ao advento da irrecorribilidade da sentença (art. 467) e, uma vez que ela ocorra, o juiz é proibido de pronunciar-se novamente sobre a mesma demanda, seja no mesmo processo ou em outro (arts. 267, inc. V, 467, 468, 471, 474 etc.). De modo expresso, dois remédios apenas predispõe a lei para a infringência a sentenças de mérito cobertas pela autoridade da coisa julgada, a saber, (a) a ação rescisória e, em uma única hipótese (b) os embargos à execução. Aquela, como é notório, é admissível no campo estrito dos fundamentos tipificados em lei (incisos do art. 485); os embargos do executado só são meio hábil a desfazer os efeitos da sentença, quando fundados na falta ou nulidade de citação do demandado no processo de conhecimento, havendo ele ficado revel (art. 741, inc. I).

Alguma abertura, fora desses casos e desses modos processuais para a revisão de sentenças passadas em julgado, existe ainda na disposição contida no art. 463, inc. I, do Código de Processo Civil, autorizador de nova decisão depois de publicada a sentença, em caso de inexatidões materiais ou erros de cálculo. Como postura geral, têm os tribunais entendido que tais inexatidões ou erros só são oponíveis quando não passarem de meros equívocos no modo de expressar as intenções do julgador, não se admitindo a revisão das sentenças se o juiz houver adotado conscientemente um critério ou chegado intencionalmente a um resultado aritmético, especialmente quando sobre o tema tiver havido discussão entre as partes. Há também casos de ineficácia da sentença, para os quais o Supremo Tribunal Federal reputa hábil qualquer meio a ser experimentado pelo sujeito atingido ou ameaçado pelos efeitos de um julgamento dado em processo sem sua participação (o que sucede quando houver sido omitido um litisconsorte necessário unitário); entre essas vias admitidas inclui-se a de um processo autônomo, com pedido de declaração de nulidade ou ineficácia da sentença.

Tal é o material jurídico-positivo e tais as aberturas sistemáticas sobre as quais se apoiarão os raciocínios a desenvolver no presente capítulo, a partir do próximo item.

15. método indutivo

Há um indisfarçável casuísmo em todo o elenco de casos em relação aos quais foi aceito ou preconizado algum meio de mitigar os rigores da coisa julgada. Assim foi na história muito eloqüente do fazendeiro uruguaio que simulou um processo a dano do filho extraconjugal, contada por Eduardo Couture; assim é nos cases da jurisprudência norte-americana indicados por Mary Kay Kane; assim também naquela desapropriação indireta onde a Fazenda do Estado de São Paulo fora condenada a indenizar por ter “invadido” um imóvel que era de sua propriedade ou naquela história da Fazenda condenada e executada duas vezes pela mesma indenização; também nos casos de avaliações imobiliárias superadas pelo agravamento da inflação e decurso de longo tempo, com ou sem culpa do ente expropriante, considerados pelo Supremo Tribunal Federal; e ainda nos muitos precedentes levantados por Juan Carlos Hitters a partir da jurisprudência argentina.

O que há de comum em todos esses casos é a premissa consistente na prevalência do substancial sobre o processual, ou seja, o culto ao valor do justo em detrimento das regras processuais sobre a coisa julgada. Não vejo, porém, constantes critérios objetivos para a determinação das situações em que essa autoridade deve ser afastada ou mitigada, nem dos limites dentro dos quais isso deve acontecer. Alguns sinais já foram dados, no entanto, como a alusão a uma coisa julgada inconstitucional (José Augusto Delgado) e a invocação de outras garantias constitucionais que com a coisa julgada devem conviver, como a da moralidade administrativa, a do justo preço nas desapropriações e a do meio ambiente ecologicamente equilibrado (Mazzilli). Invocam-se também a fraude, o princípio da razoabilidade e o da proporcionalidade, como fundamentos para a relativização da autoridade da coisa julgada em certos casos.

Proponho-me, neste ponto, a tentar o esboço de uma reconstrução dogmática dos princípios e conceitos emergentes dessas idéias colhidas aqui e ali, em busca de critérios objetivos constantes e capazes de oferecer segurança no trato da coisa julgada material em face dos demais valores presentes na ordem jurídica. Será um trabalho conduzido pelo método indutivo, partindo do particular em busca do geral  ou seja, partindo da casuística levantada e das idéias invocadas em cada caso, com vista a encontrar um legítimo ponto de equilíbrio entre a garantia constitucional da coisa julgada e aqueles valores substanciais. Como fio condutor dessa investigação e das hipóteses de mitigação da coisa julgada, valho-me do conceito técnico-jurídico da impossibilidade jurídica dos efeitos da sentença.

16. coisa julgada, efeitos da sentença e impossibilidades jurídicas

No plano puramente conceitual, sabe-se e já foi lembrado acima que a coisa julgada material consiste na imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença, ou seja, na sua imunidade a futuros questionamentos. Quem já era credor, ou já tinha o direito à anulação de um contrato, ou à retomada de um imóvel etc., com o advento da coisa julgada terá o mesmo direito que tinha antes, mas agora com a aura de uma intangibilidade e perenidade que antes não havia. São efeitos substanciais da sentença, que a coisa julgada material pereniza, a declaração de existência ou inexistência de uma relação, a constituição de uma situação jurídico substancial nova ou a declaração da existência de um direito, acompanhada da criação de um título executivo que o ampare (sentenças meramente declaratórias, constitutivas ou condenatórias); e tais efeitos reputam-se substanciais, em oposição aos efeitos processuais que todas as sentenças têm, porque se referem às realidades da vida dos litigantes, em suas relações um com o outro ou com os bens da vida (supra, n. 1).
Ora, incidindo a auctoritas rei judicatæ sobre os efeitos substanciais da sentença, é óbvia a constatação de que, onde esses efeitos inexistam, inexistirá também a coisa julgada material. É isso que se dá nas sentenças terminativas, que, pondo fim ao processo sem julgar-lhe o mérito (ou seja, sem pronunciar-se sobre a pretensão trazida pelo demandante), nada dispõem sobre as relações substanciais eventualmente existentes entre os litigantes na vida comum  e tal é a razão por que, segundo entendimento comum e absolutamente pacífico, tais sentenças podem ficar cobertas da coisa julgada formal, mas da material, jamais. Agora, pensando na problemática central do presente estudo, digo que é isso que se dá também com certas sentenças de mérito que, pretendendo ditar um preceito juridicamente impossível, não têm força para impor-se sobre as normas ou princípios que o repudiam. Só aparentemente elas produzem os efeitos substanciais programados, mas na realidade não os produzem porque eles são repelidos por razões superiores, de ordem constitucional.
Imagine-se uma sentença que declarasse o recesso de algum Estado federado brasileiro, dispensando-o de prosseguir integrado na República Federativa do Brasil. Um dispositivo como esse chocar se-ia com um dos postulados mais firmes da Constituição Federal, que é o da indissolubilidade da Federação. Sequer a mais elevada das decisões judiciárias, proferida que fosse pelo órgão máximo do Poder Judiciário, seria suficiente para superar a barreira política representada pelo art. 1o da Constituição. Imagine-se também uma sentença que condenasse uma pessoa a dar a outrem, em cumprimento de cláusula contratual, determinado peso de sua própria carne, em conseqüência de uma dívida não honrada; ou que condenasse uma mulher a proporcionar préstimos de prostituta ao autor, em cumprimento ao disposto por ambos em cláusula contratual. Sentenças como essas esbarrariam na barreira irremovível que é o zelo pela integridade física e pela dignidade humana, valores absolutos que a Constituição Federal cultiva (art. 1o, inc. III e art. 5o). Pensar ainda na condenação do devedor à prisão por dívida, fora dos casos constitucionalmente ressalvados (art. 5o, inc. LXVII).

Ora, como a coisa julgada não é em si mesma um efeito e não tem dimensão própria, mas a dimensão dos efeitos substanciais da sentença sobre a qual incida (supra, n. 1), é natural que ela não se imponha quando os efeitos programados na sentença não tiverem condições de impor se. Por isso, como a Constituição não permite que um Estado se retire da Federação, ou que se imponha por execução forçada o cumprimento da obrigação de dar um peso da própria carne etc., da inexistência desses efeitos juridicamente impossíveis decorre logicamente a inexistência da coisa julgada material sobre a sentença que pretenda impô-los.

Visivelmente, estou manejando o argumento das impossibilidades, antes empregado por Pontes de Miranda e já referido neste estudo (supra, n. 7). Das três ordens de impossibilidades por ele sugeridas, a jurídica é que tem maior aderência à problemática aqui versada. A impossibilidade jurídica é bastante versada pelos processualistas em geral, principalmente brasileiros, em relação ao pedido  dado que a possibilidade jurídica da demanda é expressamente incluída pelo Código de Processo Civil entre as condições da ação (art. 267, inc. VI). Conceitua-se como a inadmissibilidade do que o demandante pretende, em tese  ou seja, independentemente das circunstâncias do caso. A impossibilidade jurídica do pedido, ou sua inadmissibilidade a priori, constitui antecipação da impossibilidade jurídica do resultado pretendido, ou seja, dos efeitos sentenciais postulados. O pedido de recesso da Federação, feito por um Estado, é juridicamente impossível porque juridicamente impossível é o resultado pretendido. Idem, o pedido de condenação a dar um pedaço da própria carne etc.

Uma sentença contendo o enunciado de efeitos juridicamente impossíveis é, em verdade, uma sentença desprovida de efeitos substanciais, porque os efeitos impossíveis não se produzem nunca e, conseqüentemente, não existem na realidade do direito e na experiência da vida dos litigantes. Por mais que o juiz ou a mais elevada Corte do país determine o recesso de uma unidade federativa, isso não acontecerá e esse efeito não se produzirá, porque as forças da nação e do Estado estão autorizadas a impedi-lo, até pela força se necessário. Por mais que uma sentença condenasse alguém a despojar-se em vida de partes de seu corpo, essa sentença não comportaria execução alguma e legítima seria a resistência que o condenado viesse a opor a ela. E, não havendo efeitos a serem imunizados pela coisa julgada material, essa autoridade cai no vazio e não tem como efetivar-se.

A sentença com o enunciado de efeitos impossíveis não será um ato jurídico inexistente, embora inexistentes os efeitos substanciais por ela programados. Como ato jurídico processual, ela terá, p.ex., o efeito de pôr fim ao processo. Faltar-lhe-á somente a eficácia pretendida. São de primeira importância as lições de Emilio Betti sobre a eficácia e ineficácia do ato jurídico, de plena aplicação ao objeto do nosso tema.

Repito, para clareza: sentença portadora de efeitos juridicamente impossíveis não se reputa jamais coberta pela res judicata, porque não tem efeitos suscetíveis de ficarem imunizados por essa autoridade. Pode-se até discutir, em casos concretos, se os efeitos se produzem ou não, se são ou não compatíveis com a ordem constitucional etc., mas não se pode afirmar que, sem ter efeitos substanciais, uma sentença possa obter a coisa julgada material. Esse é um enunciado conceitual e metodológico, que se impõe independentemente de qualquer tomada de posição em relação aos valores políticos, éticos, humanos ou econômicos a serem preservados. Como dito, a sentença terminativa é um belo exemplo de sentença que não obtém a autoridade da coisa julgada material porque não tem efeitos externos, mas ela não é o único caso no sistema.

O que está dito acima coincide com a idéia posta por Humberto Theodoro Jr., de que “as sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer modo, porque a sentença abusiva não é sentença”. Não cumpre a finalidade das sentenças de mérito aquela que, por estar propondo um resultado impossível, não é capaz de produzir resultado algum.


17. impossibilidade jurídica e convivência entre princípios e garantias

Tornemos agora ao item inicial deste estudo, onde se salienta a necessidade de estabelecer uma convivência equilibrada entre os princípios e garantias constitucionais, a partir da idéia de que todos eles existem para servir o homem e oferecer-lhe felicidade, sem que nenhum seja absoluto ou constitua um valor em si mesmo (supra, n. 1, com transcrição de trechos de livro ainda no prelo). Não há uma garantia sequer, nem mesmo a da coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo etc. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável.

Nessa perspectiva metodológica e levando em conta as impossibilidades jurídico-constitucionais acima consideradas, conclui se que é inconstitucional a leitura clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto branco e do quadrado, redondo. A irrecorribilidade de uma sentença não apaga a inconstitucionalidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional.

18. justo preço e moralidade: valores constitucionais relevantes

A premissa conceitual e sistemática é esta: a impossibilidade jurídica dos efeitos substanciais programados pela sentença impede a formação da coisa julgada material porque essa é uma autoridade incidente sobre efeitos e não pode incidir quando não houver efeito algum que se possa produzir. Passemos agora à busca dos critérios para determinar, com utilidade para a tomada de posição em relação ao caso, quais são essas forças capazes de impedir que a sentença produza os efeitos programados. Ponhamos nossas atenções na garantia constitucional da justa indenização e no princípio da moralidade administrativa, que também é constitucionalmente consagrado.

Aparentemente, a garantia da justa e prévia indenização poderia parecer destinada com exclusividade ao resguardo do direito de propriedade e, portanto, configurar-se apenas como uma proteção endereçada aos particulares em face do Estado, sem ter também este como destinatário. Essa insinuação vem não só da topologia da garantia, situada no capítulo dos direitos e garantias individuais e coletivos, mas também de sua própria redação. Os precedentes jurisprudenciais que se formaram a esse respeito, todavia, apoiam-se, ainda que não tão explicitamente, em uma visão bipolar da garantia expressa pelo inc. XXIV do art. 5o constitucional. Nessa perspectiva, o preço justo figura como uma garantia com que ao mesmo tempo a Constituição Federal quer proteger a efetividade do direito de propriedade e também resguardar o Estado contra excessos indenizatórios. Nem haveria como entender de modo diferente o emprego do adjetivo justo, dado que a própria justiça é em si mesma um conceito bilateral, não se concebendo que algo seja “justo” para um sujeito sem sê-lo para outro. Não se faz “justiça” à custa de uma injustiça.

Ao discorrer sobre a justiça igualitária, corretiva ou sinalagmática, o jurisfilósofo LUÍS RECASÉNS SICHES põe em destaque o princípio de igualdade inerente a ela e realça particularmente a equivalência entre o que se dá e o que se recebe. Depois, remontando à æquitas romana, lembra o suum cuique tribuere como imperativo da eqüidade e da justiça.

Essa comutatividade, sem a qual não há justiça, é reforçada, na ordem constitucional brasileira, pela solene afirmação da moralidade administrativa como valor a ser objeto de muita atenção pelo Estado, por seus governantes, por seus cidadãos e por seus juízes (Const., art. 5o, inc. LXXIII).
Hely Lopes Meirelles, que há muito vinha expondo idéias sobre a moralidade administrativa, mostrou que ela não coincide com a moral comum mas resolve-se na fidelidade às normas inerentes à Administração Pública. Invocando Hauriou, diz que o administrador, “ao atuar, não terá de decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto”. Ele “não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta”. Depois, a profa. Odete Medauar, procurando sair do vago e do impreciso, mostrou as dificuldades antepostas ao correto entendimento da locução moralidade administrativa e com muita agudeza de espírito veio a propor a contraposição entre moralidade e improbidade, dizendo incisivamente: “a improbidade administrativa tem um sentido forte de conduta que lese o erário público, que importe enriquecimento ilícito ou proveito próprio ou de outrem no exercício de mandato, cargo, função, emprego público”. A prestigiosa professora paulista invoca as disposições com que a Constituição Federal cuida da improbidade administrativa (art. 37, § 4o e art. 85, inc. V) e vai à Lei da Improbidade Administrativa, que, entre outras disposições, tipifica condutas criminosas de improbidade (lei n. 8.429, de 2.6.92).

Resulta que o conceito de moralidade administrativa coincide com a idéia de zelo pelo patrimônio moral e material do Estado e dos demais entes públicos; não só os próprios administradores são os institucionais guardiões desse valor, como também os demais órgãos estatais e também o povo. A Constituição Federal manifesta essa intenção, em um primeiro plano, ao dar aos integrantes do povo, que são os cidadãos, legitimidade para buscar da Justiça a observância dos padrões exigíveis de moralidade administrativa (art. 5o, inc. LXXIII) e, correspondentemente, ao outorgar aos juízes o poder de fazer o controle da moralidade e da improbidade.

Também ao Congresso Nacional é conferido o poder-dever de controlar as contas do Chefe do Poder Executivo (art. 49, inc. IX) e, de um modo geral, “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta” (art. 70), para o que contará com o auxílio técnico do Tribunal de Contas da União (art. 71). Confirma-se, portanto, que o encargo de zelar pela moralidade administrativa é difuso entre os organismos estatais e membros do congregado político denominado povo.

Nesse quadro, não é justa uma indenização que vá extraordinariamente além do valor de mercado do bem, porque, ao contrariar a regra da moralidade administrativa, ela estará em choque com os próprios objetivos do Estado, traçados na Constituição. Justiça é, na lição sempre respeitada de Norberto Bobbio, a correspondência da norma “com os valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico”. É lícito dizer, parafraseando o grande pensador, que perguntar se uma indenização é justa ou injusta significa perguntar se ela é ou não apta a atuar equilibradamente o valor da garantia da propriedade e o da moralidade administrativa, plantados na Constituição Federal.

19. sentenças juridicamente impossíveis  a favor ou contra o Estado

As premissas postas acima autorizam a firme conclusão de que a garantia constitucional da justa indenização, tendo uma feição bifronte em sua destinação ao expropriante e ao expropriado, implica simultaneamente repúdio a indenizações absurdamente aquém do real e também repúdio a indenizações absurdamente acima do real. Esse é um imperativo da interpretação dessa garantia em consonância com os postulados da isonomia e da moralidade administrativa, também residentes na Constituição da República. Desdobrando a garantia da justa indenização à luz dessa interpretação sistemática, temos que: a) permitir que o ente público pague menos do valor real transgride o direito de propriedade e a garantia de reposição patrimonial, que ela contém; b) exigir pagamento além do valor real implica dano ao Estado e ultraje à moralidade administrativa, constitucionalmente exigida.

Na linha dos conceitos e do método propostos nos tópicos precedentes, conclui-se portanto (a) que são constitucionalmente impossíveis as determinações do valor indenizatório muito além ou absurdamente aquém do devido; b) que as decisões judiciárias contendo determinações assim absurdas não são capazes de impor os efeitos programados, porque colidiriam com aquelas superiores regras constitucionais; c) que, não havendo efeitos substanciais suscetíveis de serem impostos, não incide a coisa julgada material sobre ditas sentenças, porque essa autoridade incide sobre efeitos substanciais e não tem como incidir quando os efeitos forem repudiados por razões superiores  ou seja, quando esses efeitos inexistirem no caso concreto.

20. a dimensão da conclusão proposta

Os precedentes jurisprudenciais brasileiros colhidos na pesquisa feita apontam exclusivamente casos em que se questionavam indenizações a serem pagas pelo Estado, notando-se até uma preocupação unilateral pela integridade dos cofres públicos, mas o tema proposto é muito mais amplo, porque a fragilização da coisa julgada como reação a injustiças, absurdos, fraudes ou transgressão a valores que não comportam transgressão, é suscetível de ocorrer em qualquer área das relações humanas que são trazidas à apreciação do Poder Judiciário. Onde quer que se tenha uma decisão aberrante de valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos juridicamente impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada material  porque, como sempre, não se concebe imunizar efeitos cuja efetivação agrida a ordem jurídico-constitucional.

O critério proposto aplica-se em cheio ao caso, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça e já referido neste estudo (supra, n. 5), do ente estatal condenado a indenizar pelo apossamento administrativo de um imóvel que depois se verificou ser de seu próprio domínio, ou daquele que foi condenado duas vezes pelo mesmo dano causado ao particular (supra, n. 6). Aplica se também ao caso narrado por COUTURE (supra, n. 8), do processo simulado promovido em nome do filho adulterino de um rico fazendeiro, com o escopo de obter sentença favorável a este. Deve aplicar-se também a todos os casos de ações de investigação de paternidade julgadas procedentes ou improcedentes antes do advento dos modernos testes imunológicos (HLA, DNA), porque do contrário a coisa julgada estaria privando alguém de ter como pai aquele que realmente o é, ou impondo a alguém um suposto filho que realmente não o é (infração ao disposto no art. 1o, incs. II-II, da Constituição Federal).

Não me impressiona o argumento de que, sem a rigorosa estabilidade da coisa julgada, a vida dos direitos seria incerta e insegura, a dano da tranqüilidade social. Toda flexibilização de regras jurídico-positivas traz consigo esse risco, como já venho reconhecendo há mais de uma década; mas a ordem processual dispõe de meios para a correção de eventuais desvios ou exageros, inclusive mediante a técnica dos recursos, da ação rescisória, da reclamação aos tribunais superiores etc. Além disso, não estou a postular a sistemática desvalorização da auctoritas rei judicatæ mas apenas o cuidado para situações extraordinárias e raras, a serem tratadas mediante critérios extraordinários. Cabe aos juízes de todos os graus jurisdicionais a tarefa de descoberta das extraordinariedades que devam conduzir a flexibilizar a garantia da coisa julgada, recusando-se a flexibilizá-la sempre que o caso não seja portador de absurdos, injustiças graves, transgressões constitucionais etc. Não temo insistir no óbvio, ao repetir que “o momento de decisão de cada caso concreto é sempre um momento valorativo”.

Relembro a referência já feita à obra de autores norte-americanos, que, ao sustentarem a necessidade de flexibilizar a coisa julgada, ressalvam a excepcionalidade dessa solução (“são necessariamente limitadas essas exceções à normal aplicação dos princípios da coisa julgada. Elas dependem da presença de razões sociais específicas e importantes, para que a coisa julgada possa ser desconsiderada” – supra, n. 11).

Aqui tem pertinência o reclamo, já feito por estudiosos do tema, à razoabilidade interpretativa como indispensável critério a preponderar quando tais valorações são feitas nos pronunciamentos judiciais: o logos de lo razonable, da notória e prestigiosa obra de Recaséns Siches, quer que se repudiem absurdos agressivos à inteligência e aos sentimentos do homem comum, sendo absurdo eternizar injustiças para evitar a eternização de incertezas. O jurista jamais conseguiria convencer o homem da rua, p.ex., de que o não-pai deva figurar como pai no registro civil, só porque ao tempo da ação de investigação de paternidade que lhe foi movida, inexistiam os testes imunológicos de hoje e o juiz decidiu com base na prova testemunhal. Nem o contrário: não convenceríamos o homem da rua de que o filho deva ficar privado de ter um pai, porque ao tempo da ação movida inexistiam aquelas provas e a demanda foi julgada improcedente, passando inexoravelmente em julgado.
Homem da rua é o homem simples, ingênuo e destituído de conhecimentos jurídicos, mas capaz de distinguir entre o bem e o mal, o sensato e o insensato, o justo e o injusto, segundo a imagem criada por Piero Calamandrei (l’uomo della strada).

Para dar efetividade à equilibrada flexibilização da coisa julgada em casos extremos, insisto também na afirmação do dever, que a ordem político-jurídica outorga ao juiz, de postar-se como autêntico canal de comunicação entre os valores da sociedade em que vive e os casos que julga. Não é lícito entrincheirar-se comodamente detrás da barreira da coisa julgada e, em nome desta, sistematicamente assegurar a eternização de injustiças, de absurdos, de fraudes ou de inconstitucionalidades.

O juiz deve ter a consciência de que a ordem jurídica é composta de um harmonioso equilíbrio entre certezas, probabilidades e riscos, sendo humanamente impossível pensar no exercício jurisdicional imune a erros. Sem a coragem de assumir racionalmente certos riscos razoáveis, reduz-se a possibilidade de fazer justiça. O importante é saber que onde há riscos há também meios para corrigi los, o que deve afastar do espírito do juiz o exagerado apego à perfeição e o temor pânico aos erros que possa cometer. O juiz que racionalmente negar a autoridade da coisa julgada em um caso saberá que, se estiver errado, haverá tribunais com poder suficiente para reformar-lhe a decisão. Deixe a vaidade de lado e não tema o erro, sempre que estiver convencido da injustiça, da fraude ou da inconstitucionalidade de uma sentença aparentemente coberta pela coisa julgada.

21. remédios processuais adequados

A escolha dos caminhos adequados à infringência da coisa julgada em cada caso concreto é um problema bem menor e de solução não muito difícil, a partir de quando se aceite a tese da relativização dessa autoridade  esse, sim, o problema central, polêmico e de extraordinária magnitude sistemática, como procurei demonstrar. Tomo a liberdade de tornar à lição de Pontes de Miranda e do leque de possibilidades que sugere, como (a) a propositura de nova demanda igual à primeira, desconsiderada a coisa julgada, (b) a resistência à execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações incidentes ao próprio processo executivo e (c) a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças defensivas.

No caso do ente estatal condenado a indenizar sem ter ocupado imóvel alheio, depois do trânsito em julgado chegou a ser celebrado entre as partes um negócio jurídico (transação) e a Fazenda veio a juízo com pedido de anulação deste, simplesmente desconsiderando a coisa julgada anterior; o Superior Tribunal de Justiça aceitou a admissibilidade dessa via e prestigiou a pretensão fazendária, porque o importante era afastar o absurdo que a auctoritas rei judicatæ ia perenizando. No caso da avaliação que ficou desatualizada por causa da inflação, alterações ocorridas na ordem econômica e retardamento intencionalmente causado pelo ente expropriante, o expropriado obteve do Supremo Tribunal Federal a determinação de que se realizasse nova avaliação no mesmo processo da ação expropriatória. O menino uruguaio que fora vítima de um fraudulento processo de investigação de paternidade limitou-se a repetir em juízo a propositura dessa demanda, aparentemente transgredindo o veto ao bis in idem, que ordinariamente se imporia. A Fazenda que fora condenada duas vezes pelo mesmo imóvel e satisfez a obrigação na primeira das execuções instauradas, opôs embargos à segunda delas e esses embargos foram recebidos.

A casuística levantada demonstra que os tribunais não têm sido particularmente exigentes quanto à escolha do remédio técnico processual ou da via processual ou procedimental adequada ao afastamento da coisa julgada nos casos em exame. Em caso de sentença proferida sem a regular citação do réu, admitiu o Supremo Tribunal Federal que esse vício tanto pode ser examinado em ação rescisória, quanto mediante embargos à execução se for o caso (sentença condenatória) ou ainda em “ação declaratória de nulidade absoluta e insanável da sentença” (voto condutor: Min. Moreira Alves). Para a hipótese específica de desobediência às regras do litisconsórcio necessário unitário, também venho sustentando essa ampla abertura de vias processuais, cabendo ao interessado optar pela que mais lhe convenha  seja a ação rescisória, mandado de segurança se houver liqüidez-e-certeza, ação declaratória de ineficácia etc. (essas idéias estão em monografia sobre o tema do litisconsórcio, referindo e apoiando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal).

A ação autônoma a que alude o Supremo Tribunal Federal é aquela sugerida por Piero Calamandrei, segundo o qual “o único meio adequado contra a sentença nula será a ação declaratória negativa de certeza, mediante a qual, sem aportar modificação alguma ao mundo jurídico, far-se-á declarar o caráter negativo que o conteúdo da sentença trouxe consigo desde o momento de sua concepção”. O Supremo, corretamente, ao aceitar o alvitre dessa ação autônoma não a toma como caminho único para o resultado pretendido.

22. minhas preocupações

Uma das razões de meu empenho em descobrir e propor um critério geral para relativizar racionalmente a autoridade da coisa julgada material é a tendência, que em várias manifestações tenho visto, a buscar soluções benéficas ao Estado sem pensar nos adversários dos entes estatais e em todos os sujeitos que, de algum modo, tenham sua esfera de direitos comprimida pelos rigores da coisa julgada. Repudio os privilégios dados pela lei processual ao Estado, que reputo de índole fascista; sou um crítico do Estado inimigo, que litiga e resiste em juízo com a consciência de não ter razão, abusando do direito de recorrer com o objetivo de postergar a satisfação de suas vítimas; reputo indecente a prática de legislar mediante medidas provisórias destinadas a ampliar os privilégios do Estado em juízo e combato as repetidas indulgências dos juízes para com os entes estatais, a dano da garantia constitucional da isonomia. Nesse quadro, é de esperar que não aceite nem endosse soluções favoráveis ao Estado, só porque favoráveis ao Estado  e isso justifica o grande esforço por uma reconstrução dogmática e conceitual muito sólida e coerente, a que me apliquei no presente estudo, evitando casuísmos. É indispensável o estabelecimento de uma linha de equilíbrio, que favoreça o Estado quando for ele o lesado por decisões absurdas, mas que também favoreça quem quer que se encontre em situação assim  ou seja, postulo uma linha sem qualquer engajamento com os interesses nem sempre justos nem condizentes com o da população, com enorme freqüência sustentados pelos defensores estatais.

Se tiver razão no que sustento, terei chegado a uma visão sistemática da relativização da coisa julgada segundo critérios que em primeiro plano são objetivos  despontando sobretudo o da prevalência de certos valores, constitucionalmente resguardados tanto quanto a coisa julgada, os quais devem prevalecer mesmo com algum prejuízo para a segurança das relações jurídicas. Daí aceitar a idéia da coisa julgada inconstitucional, que assenta na premissa da harmoniosa convivência entre todos os princípios e garantias plantados na ordem constitucional, nenhum dos quais pode ser tratado como absoluto. A posição defendida tem apoio também no equilíbrio, que há muito venho postulando, entre duas exigências opostas mas conciliáveis  ou seja, entre a exigência de certeza ou segurança, que a autoridade da coisa julgada prestigia, e a de justiça e legitimidade das decisões, que aconselha não radicalizar essa autoridade. Nessa linha, repito: a ordem constitucional não tolera que se eternizem injustiças a pretexto de não eternizar litígios.

A linha proposta não vai ao ponto insensato de minar imprudentemente a auctoritas rei judicatæ ou transgredir sistematicamente o que a seu respeito assegura a Constituição Federal e dispõe a lei. Propõe-se apenas um trato extraordinário destinado a situações extraordinárias com o objetivo de afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição  com a consciência de que providências destinadas a esse objetivo devem ser tão excepcionais quanto é a ocorrência desses graves inconvenientes. Não me move o intuito de propor uma insensata inversão, para que a garantia da coisa julgada passasse a operar em casos raros e a sua infringência se tornasse regra geral.


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